Mer & Heath's

Insensivelmente Marty deu-me mesmo uma coça na fisioterapia tendo-me utilizado como cobaia para ensinar aos seus internos um monte de coisas. No fim, enquanto tentava recuperar o fôlego, contei-lhe do episódio que me tinha acontecido antes de encontrar Mer. 
- Será uma memória despoletada? Vale a pena averiguares. Pega em todos os detalhes que te lembres – Concordei com ele. Regressei  casa e voltei ao vício que era fazer pesquisas no tablet. Conjurei todos os detalhes que me lembrava – forças armadas, guerra, Afeganistão, “gun bunny”. – O que é isto?... a sarcastic name that soldiers will call other soldiers who handle artillery in the military. – Não me recordava de nada mas também não conseguia afastar a expressão da minha cabeça. Enviei tudo aquilo para a assistente social que me estava a ajudar com a questão identitária. 
A dor de cabeça regressara com aquilo tudo. Era tão intensa que acabei a dormitar no sofá, o que era algo que raramente fazia.

Acordei com o cheiro a tomate e manjericao no ar. Estava meio atordoado e só então percebi que era noite - Adormeci... - Constatei estupidamente e estranhamente para mim próprio. Levantei-me e segui o cheiro até à cozinha onde Mer estava a preparar dois pratos - Desculpa, não sei o que me deu para adormecer.  Queria ter preparado o jantar. Estás a pé há 12 horas - Sentia-me péssimo com isto.

Teria de a compensar  muito bem depois daquilo. - Sim, o Marty não planeou um treino leve hoje - Comentei enquanto lhe passava os pratos - Mas a fatiga veio de outra coisa também. Hoje quando estava no hospital à tua espera acho que tive um flasback. Ou algo do género. E sim, sei que vias dizer que te devia ter contado na altura mas queria pesquisar antes de saber o que se tratava -  Esclareci na esperança de que ela entendesse - O trigger foi um documentário sobre forças armadas em cenário de guerra. Em particular uma expressão, "gun bunny". Não sei explicar mas sinto que já ouvi isso antes. É uma alcunha militar segundo a internet.

Ao menos ela não se aborrecera comigo, já era um começo - Sim, já enviei tudo. Ela vai averiguar. Mas sei lá... já chegámos a tantos becos sem saída - Eu estava desperto há quase um ano e antes disso passara 8 acamado. Ninguém me reclamara. - É uma alcunha que apenas usam nos Marines norte-americanos. Significa alguém que trabalha com artilharia pesada. - Expliquei - E se eu tiver sido militar, Mer?  Vem dar força à hipótese de que tenha nacionalidade dos EUA - Sentamos-nos ambos à mesa agora que estava tudo servido. 

- Doía como sempre dói quando tenho um episódio destes. Talvez por isso não tenha conseguido impedir a sesta. Mas agora estou bem -  fiz saber. Suspirei e afaguei a sua mão - És mais otimista do que eu. Obrigada por me apoiares nisto.  - Sorri levemente - Se eu for dos Estados Unidos... virias comigo conhecer... - nem terminei a frase porque era por demasiadas expectativas de que isso fosse acontecer.

- Bom, isto pode ser tudo uma conjuntura. É esperar para ver - Esta era a minha forma de desvalorizar a situação e manter as expectativas baixas. Quis desviar o assunto - Esta pasta...oh belissima. 

- Quem sabe, afinal posso ser italiano? - Disse no gozo e encolhi os ombros. Ri-me imenso xom a sua expressão o que só deve ter acentuado o molho que tinha na cara - Há coisas que  não mudam. Eu aprendo a comer bem esparguete só para que os nossos filhos tenham um exemplo a seguir e não cresçam  fazer esta figura - Disse ainda divertido mas depois suavizei a minha expressão. Ainda tinhamos as mãos juntas - Consigo imaginar-nos assim um dia. 

- Sim, realmente. Pareces um palhacinho com a cara toda suja. Que figurinhas iam eles fazer, se crescessem a ver um dos pais a comer assim - sorri, olhando para as nossas maos ainda juntas - assim como ? a comer de maos dadas ? - perguntei, fazendo.me de desentendida. Tambem pensava num futuro com ele, talvez dois pequeninos ou duas meninas do papá.