Pátio

Cambridge. Por agora era este o meu local de trabalho, ou melhor dizendo, estudo. Infiltrar-me no meio académico não fora de todo a minha vontade. Mas era necessário. E tudo por causa de uma rapariga: Hope Irwin. Ela era a chave, ou pelo menos assim achava eu.
Nos últimos quinze dias estudara cada movimento seu sem que ela soubesse. Ensaiara a sua rotina. Agora, por fim, inseria-me no seu meio. Como um caçador que persegue a presa. Não era à toa que estava ali àquelas horas. Esperava-a. Aos poucos ia-me metendo no seu caminho mas sem levantar suspeita. É o meu trabalho e faço-o muito bem. Por isso ali fiquei até dar conta da menina Irwin, a típica colegial bem comportadinha, ou pelo menos era isso que dava a entender. Os meus sentidos ficaram alerta a partir do momento em que ela parou no pátio da universidade, a uns escassos metros da esplanada onde eu, tranquilamente, me instalara a beber um café e a fumar a minha dose diária de nicotina que bem precisava antes de enfrentar um período aborrecidissimo de aulas. Ela deu pela minha presença, notei, apesar de não o demonstrar. Aparentei não olhar na sua direção e fingir que não me dera conta da sua objectiva apontada para mim há apenas segundos. Isto era aind melhor do que o que eu planeara. Só que ainda era cedo de mais para me apresentar. Tinha que esperar. Mais um pouco. Uma rápida olhadela ao relógio mostrou que já estava na hora de Química Avançada. Não que eu me importasse com horários... mas Hope? Sim, pelo que eu sabia. Estive prestes a levantar-me mas foi quando notei uma rapariga aproximar-se dela.

Observei a cena de longe. Pelas minhas pesquisas, aquela rapariga devia ser Africa, a melhor amiga de Hope Irwin. O seu nome constava nos meus ficheiros mas era a primeira vez que a via ao vivo.
Depois do encontro efusivo, pude finalmente movimentar-me. Já estava atrasado para a aula. Não estava minimamente interessado. Vi Hope entrar no complexo onde tínhamos aula. Ela também ia atrasada.  Só não segui atrás porque ainda tinha de terminar o meu cigarro. Ainda a vi olhar para mim novamente.  Ela é tão óbvia. Terminado o cigarro, atirei-o para o chão  e pisei-o. Peguei apenas no meu casaco. Não trouxera livros nem caderno. Segui para a aula. Deem-me paciência para aguentar isto.

Vinte minutos atrasado, entrei na sala onde estava a decorrer Química Avançada. Já o professor reclama qualquer coisa como "Isto é inadmissível, mas vocês não sabem cumprir horários? ". Não quis saber da indignação do homem. Tirei os meus óculos de sol e dirigi-me para o unico lugar vago, atirando o meu casaco para cima. Não podia estar mais aborrecido e só agora é que isto começara. Pelo canto do olho mirei Hope.

Cambridge era enorme mas parecia que, por alguma razão, eu já me destacava. Talvez pelo facto de não ser o típico betinho que frequentava a faculdade. Não gostava desta atenção toda, mas a meios que a pedira. 
Voltara para a rua, acendera um cigarro. Já estava na conversa com uns gajos de uma fraternidade. Fingi-me interessado mas na verdade estava só à espera que Hope saísse.  Quando o fez, os nossos olhares cruzaram.

Num momento estavam todos os rapazes a falar, no outro estavam calados e a babarem-se para a rapariga que vinha determinadamente na minha direção.  
- Olá!  Sou a Africa. És novo aqui, não és?  - Nem me deu tempo para responder, continuou logo a falar - Eu conheço todos os rostos de Cambridge mas nunca vi o teu.
Encarei-a por momentos. Ela estava a fazer-me olhinhos - Sou o Kenneth. Kenneth Brooks - Apresentei-me  sem dizer mais nada. Estivera a olhar para Hope que viera arrastada pela outra rapariga - A tua amiga não tem nome?

Já me fartara de ver fotos de Hope e de a observar de longe, mas nunca a vira tao perto ao vivo. Reconhecia cada traço do seu rosto. Parecia uma bonequina de porcelona, toda amorosa e ingénua.  Seria ela a chave da formula que eu pretendia?
- Hope - Experimentei dizer o seu nome em voz alta - Sim. Estou a tirar um mestrado em Química Forense e esa cadeira faz falta. - Informei. 
Observei o ar fastidiado de Africa. Antes que Hope pudesse falar, ela interviu. - Fixe. És mais velho, então.  Ouve, vai haver uma festa de início de semestre ...em minha casa... devias aparecer  - Novamente a fazer-me olhinhos. 
- Talvez apareça - Disse desinteressadamente.

Alguém já estava irritado. Não mostrei que isso me divertia. Acabei por aceitar o pequeno papel que Africa me passou com a sua morada. Reconhecia o endereço.  
Os outros rapazes que ali estavam olhavam-me com admiração.  Putos. A mim  não me interessavam. Fiquei atento às reacções  de Hope. Tinha de ir à festa se a encontrasse lá.  
- Bye bye Kenneth. Espero ver-te lá  - Mais olhinhos. Agarrou na mão da amiga  e seguiram caminho.

Tão rápido como chegara, Africa desaparecia da vista levando a rapariga mais tímida atrás dela. Hope. O jogo só estava agora a começar.  Estes eram apenas os meus primeiros passos. 
Sorri para mim mesmo, maliciosamente.  Os rapazes continuavam a falar sobre o rabo sensual de Africa,  sobre como a sua festa era a não perder, como tudo isto era incrível.  Aborreciam-me. Ignorando-os, voltei a pôr os meus óculos escuros e afastei-me deles. Havia uma festa a que tinha de ir.