Quarto de Hope

Quis dizer-lhe logo aqui que aquilo era um disparate. Mais depressa a punha no comboio sozinha do que partiria eu sem ela. Abstive-me do comentário - Compro pelos dois. Como disse, mantém-te discreta e perto de mim. Minutos 22 min - Disse tanto para mim como para ela. Fizémos o nosso caminho até à bilheteria. Contava cada segundo na minha cabeça. Uma mulher de meia idade interpunha-se do outro lado do acrilico - Bonjour - Procedi o pedido no meu melhor francês o que, claro, sendo ela britânico fez com que desde logo esboçasse uma expressão de desagradado. Melhor assim. Se lhe perguntassem por um casal britânico ela não pensaria em nós. Pedi-lhe dois bilhetes num inglês arrastado com sotaque francês e lá os consegui. - Minus 17 - Atualizei. Cada passo de Hope era uma eternidade - Sabes que te podes apoiar em mim, certo? Não devemos demorar mais do que dez minutos até à pista - Ia parecer uma eternidade.

- Está bem, que assim seja. - abracei o corpo e comecei a segui-lo. Percebia que o meu passo lento o deixava impaciente e incomodava mas era o melhor que eu conseguia fazer sem cair para o lado e me encolher de dores. Consegui respirar um pouco enquanto ele pedia os bilhetes, escondendo as minhas maos para que ninguém as visse tremer. 17 minutos. Eu conseguia aguentar esse tempo. - Não preciso de me apoiar, está tudo bem - respondi-lhe num tom baixo para que ninguém nos ouvisse - Mesmo assim, podemos demorar mais. É melhor tentarmos acelerar o passo - engoli em seco e tentei andar o mais rápido que o meu corpo debilitado me possibilitava

Não era como se estivesse a fazer de propósito para que ela caminhasse junte de mim, mas na realidade era a nossa melhor hipótese (e eu preferia, claro). Compreendia que cada passo devia ser agonizante para ela e admirava Hope por ser demasiado orgulhosa para o demonstrar. Era algo que muitas poucas pessoas conseguiriam fazer, sobretudo depois do que se passara com ela nas últimas 48 horas.

Contudo, não deixei que estes devaneios me desconcentrassem. Aliás, se ela ia (e bem) de cabeça baixa, eu mantinha o meu olhar furtivamente alerto por tudo o que nos rodeava. Ajudava tanto quanto dificultava que estivéssemos numa das maiores estações da Europa e que existissem centenas de pessoas em nosso redor. Podia ser só paranóia minha, mas o instinto alertava-me para a possibilidade de Hope e eu não estarmos a passar completamente despercebidos como era esperado. Notei, de longe e em sítios diferentes, embora ambos bastante estratégicos (sítios onde eu, caso andasse a caça, estaria), dois vultos. Não ia arriscar. – Viramos aqui à direita – Informei Hope apesar de essa não ser a direção correta para o comboio que esperávamos apanhar. Infelizmente, para confirmar os meus receios, esses dois mesmos vultos inverteram o sentido da sua marcha simultaneamente, quase que coordenadamente (demasiado  para ser coincidência). Decifrei que se tratava de um homem e de uma mulher e embora não os reconhecesse à distância, ia apostar em como trabalhavam para o meu agora-ex-empregador. Foda-se. – Hope, temos duas pessoas no nosso encalce. Aconteça o que acontecer não pares de andar. – O que íamos fazer agora? Tive que ser rápido a conjurar um plano. Estávamos na zona de comboios nacionais que se cruzavam com a linha do metro. O número de pessoas era abundante. Sorte a nossa que fosse um longo corredor com várias colunas. – Anda – Estava a puxar demasiado por ela mas não tínhamos hipótese. Chegámos ao fundo da plataforma onde o número de pessoas eram cada vez menos. Esperava que tivéssemos despistado os outros dois, pelo menos durante um bocado. Puxei Hope levemente para trás de uma das grandes colunas. – Escuta-me: se seguires em frente e depois virares à direita à um atalho que leva ao comboio para Paris – Enquanto falava tirei a minha mochila onde estava o dinheiro e uma das armas. Estendi-lhe o bilhete – Mete-te entre a multidão. Nunca estejas sozinha até chegares até lá. Está aqui o dinheiro.

À direita ? Mas isso só nos ia afastar do nosso comboio, era suposto ser sempre a direito da bilheteira porque senão iamos demorar demasiado tempo e provavelmente iriamos perder o comboio. Assenti, sentindo o meu corpo retesar-se e o panico a começar a instalar-se - Foi alguma coisa que fiz ? - perguntei, desta vez aproximando-me dele para não o perder entre as pessoas. - Julian eu não consigo andar tão rapido - avisei-o quando ele mudou novamente de direção, deixando-nos fora da multidão. Eu não percebia o que ele estava a fazer até me entregar o bilhete - Não. - neguei com a cabeça. Como é que eu iria fazer isto sozinha? Ir para Paris toda quebrada e sem dinheiro - Não nos podemos separar, lembras-te ? - disse ao mesmo tempo que aceitava o bilhete - Não está no plano. Não podemos seguir um sem o outro

- Não foi nada que fizeste.  – Assegurei. Queria tranquiliza-la mas não havia como. Só esperava que os seus instintos de sobrevivência entrassem uma vez mais em ação. – Devem ter posto a maioria dos agentes disponíveis à nossa procura – Nada que eu não tivesse ponderado dado o capital que Hope valia (ou que o seu pai valia, dependia da perspetiva). – Hey hey hey, calma Hope, ok? – O meu tom diminuiu seriamente e consegui, apesar do stress todo, soar confiante. Não queria que ela entrasse em pânico, isso não ia ajudar em nada. Só me importava que ela conseguisse sair daqui sã e salva – Ouve, mudança de planos. Acontece. Vamos separa-nos só por um bocado. Vai andando e guarda lugar. Eu chegarei logo depois. Ouve-me bem Hope: entra naquele comboio dê por onde der. Grita por ajuda se precisares – Nem queria imaginar esse cenário. Quer ela gostasse ou não, afaguei o seu rosto suavemente – Agora vai. Vai. Tu consegues. Até já – Custou-me imenso separa-nos, mas acabei por deixar a mala com ela e dei a volta à coluna, dirigindo-me precisamente na direção de onde apostava que os outros dois já juntos deviam estar.

Assenti, tentando fazer com que esta nova adrenalina me deixasse mais focada em vez de deixar que me engolisse novamente em pânico. Não iria ajudar nenhum dos dois se isso acontecesse - É só guardar lugar, tens de aparecer - disse-lhe, sentindo os meus olhos encherem-se de lágrimas quando ele me afagou o rosto. Queria prolongar aquele momento só por mais um pouco, por muito que ele me tivesse mentido, o meu corpo, o meu coração ainda o desejava demais e afastar-me assim dele não sabendo se ele voltaria, era uma agonia.

Respirei fundo e peguei na mala, apertando-a bem contra o meu corpo. Vi-o ir na direção de onde tinhamos vindo e deixei passar uns segundos para seguir pelo atalho que ele tinha indicado. Comecei a olhar a volta em panico, parecia que toda a gente tinha os olhos em mim mas sabia que isso era a minha paranoia, havia tempo para isso quando tivessemos dentro do comboio em segurança. Baixei a cabeça a comecei a andar o mais rápido que conseguia, quase em passo de corrida. O comboio estava quase a partir. Aquele pequeno detour tinha-nos custado minutos essenciais, o que aconteceria se ele não apanhasse o comboio comigo ? Para onde é que eu iria ? Os planos para fugir continuavam dentro do cofre em minha casa, eu nunca tinha olhado para eles. Nunca me tinha preocupado com isso - Pardon - disse em frances quando embati contra uma pessoa, tentando manter a farça dos franceses.

Alguém andava a ler o mesmo manual para espiões. Não me admirei quando me deixei “acidentalmente” apanhar num beco que dava para uma pista de desembarque. Nem o facto de haver algumas pessoas por perto impediu o duo de se aproximarem de mim. Foi quando desatei a correr e começaram ao meu encalce. Levei-os precisamente na direção oposta por onde Hope fora. Estava a apostar todas as nossas chances na ideia de que estes dois eram os únicos capangas que tinham sido designados para este local. Possivelmente já teriam dado o alerta do nosso paradeiro por isso tinha que agir rapidamente. “Escondi-me” numa das primeiras casas de banho que encontrei. Por sorte e após uma breve revisão nos poucos segundos em que tinha de avanço verifiquei que não havia ninguém lá dentro sem ser eu. Exceto em três, dois, um… entrada na subtil do duo na mesmíssima casa de banho.

“Acabou-se Campbell. Entrega a miúda. Isto já foi longe de mais, cabrão”  Reconhecia a voz, embora não o rosto da mulher que me dirigia estas palavras. Era alguém que telefonava a Jennifer várias vezes e ela, aborrecida, colocava em alta voz para que pudéssemos troçar da mesma. O homem atrás dela era mais corpulento do que eu. O cérebro e os músculos. Pois bem, com aquilo conseguia lidar. Nem me dei ao trabalho de responder, saltei-lhe imediatamente para cima. Primeiro contra o homem que inesperadamente tinha mais força do que eu, mas não mais estratégia. Enquanto me agarrava fui esmurrado pelo punho da mulher que me soltava impropérios “Isto é pela Jen, seu sacana!”. Merda, já sentia o sabor metálico do sangue na minha boca. Libertei-me com uma manobra de torcer o pulso ao grandalhão que gemeu que nem uma miúda.  No momento em que me vi liberto devolvi o favor à mulher esmurrando-a contra o lavatório que ficou imediatamente vermelho com o seu sangue. Bati co a sua cabeça até ter a certeza que estava desmaiada. Ainda antes de ter a certeza fui puxado fortemente pelo homem contra uma das portas. Auch.  Mas antes que me apanhasse novamente pontapeei-o forte e feio no joelho o que o desequilibrou e agachou, dando-me tempo e espaço de manobra suficiente para o pontapear o seu queixo de seguida. No chão, agarrei-o pelo pescoço sabendo exatamente sobre qual veia fazer pressão para o pôr k.o.

- Foda-se – Gemi também em dor já ao ver os dois estendidos no chão. Sem perder mais tempo saí a correr daquela casa de banho. Corri tanto quanto podia e quanto conseguia até à pista de desembarque onde Hope deveria estar – tinha que estar, porra.  Não queria equacionar a hipótese de que a tivessem apanhado. Fui contra algumas pessoas no caminho mas não quis saber. Estava completamente sem ar quando ouvi o sinal a dizer que o comboio transatlântico ia partir dentro de momentos. Fiz um último sprint e cruzei a porta literalmente no momento em que as postas se fecharam.
Estava dentro do comboio. Estaria Hope? O meu coração batia depressa de mais a acompanhar a minha respiração ruidosa em busca de ar. Alguns passageiros daquela carruagem olhavam-me rudemente e com alguma curiosidade. Sentia o meu lábio pulsar de dor. Aquela cabra tinha-me rebentado o lábio. Enquanto caminhava por entre as carruagens tirei um lenço do bolso e limpei qualquer sangue que tivesse na cara. Observei todo e cada passageiro à procura não só de Hope mas de alguém suspeito. Não fazia ideia em que carruagem tinha entrado mas passado e ainda não vira Hope.

- Não há problema, Hope - engoli em seco, parando imediatamente no sitio. Como é que era possivel Christian estar naquela plataforma, naquele preciso momento - Deixa-me dizer-te que ficas bastante bem loira. - Ignorei completamente as suas palavras e comecei a andar novamente. O comboio estava a minha frente, era só mais uns minutos e eu estava dentro do comboio segura. - Espera. Espera. Onde vais com tanta pressa ? - senti-o agarrar no meu pulso e isso foi como se tivesse recebido um choque elétrico.

- Não me toques! Eu grito e olha que aqui não estamos sozinho - avisei-o, olhando em volta percebendo que a plataforma estava cheia - Tu vais seguir a tua vida e eu vou seguir a minha. Não tens nada a ver com onde eu vou ou o que eu vou fazer. Agora com licença, tenho um comboio para apanhar. - virei-lhe as costas mais uma vez, tentando controlar os tremores que passavam o meu corpo.

- Achas mesmo que vais gritar ? Nunca o fizeste, nao era agora que o ias fazer. Eu acho que vou acabar o que comecei, para não falar que precisas de pagar pelo que me fizeste passar - senti-o agarrar-me pela mochila, puxando-me com ele na direção contrária dele.

- Não! Socorro! - gritei, não precisando de muito para as pessoas à nossa volta repararem no que estava a acontecer e o pararem - Segurança! - gritei e quando uns homens se começaram a aproximar de mim, fazendo com que ele me soltasse, afastei-me dele o máximo que consegui - Nunca mais me toques Christian! Desaparece! - as pessoas começaram a perguntar se eu estava bem, ao que assenti tentando seguir para o comboio. Assim que consegui entrar, escondi-me numa das casas de banho, encolhendo os pés para que ninguém me encontrasse, muito menos Christian se decidisse seguir-me. Será que Julian iria conseguir entrar no comboio primeiro que eu ? Agora que tinha parado por uns momentos, sentia todas as dores do esforço que tinha feito para estar ali. Peguei nos comprimidos que tinha no bolso e tomei dois para as tentar amenizar. Ouvi o aviso final que o comboio ia partir e decidi sair do pequeno compartimento que me tinha mantido a salvo nos últimos minutos, precisava de procurar Julian, tinha de saber se ele tinha entrado no comboio. Comecei a procurar pelos compartimentos, pedindo desculpa sempre que encontrava alguém que não era ele e continuei as minhas buscas. O comboio não era assim tão grande, talvez devesse ir para os nossos lugares.

Cada segundo era uma angústia até a encontrar - se é que a encontraria. E se Hope não conseguiu chegar aqui? E se alguém a levou? Mas justamente quando estes medos começavam a trepar pela minha mente acima foi quando na outra extremidade da carruagem apareceu a rapariga que procurava, loira e de boné. O alívio que senti foi instantâneo e só me fez andar mais rápido até ela. Mal dei por mim já a estava a abraçar protetoramente, sem sequer me ocorrer que ela provavelmente detestaria que eu o fizesse. Porque me odeia. Essa era a minha - a nossa - realidade. - Estás bem? - Questionei baixinho ao seu ouvido. Ao abraçá-la pude perceber imediatamente que toda ela estava tremer. 

Estava prestes a desistir de procurar por ele e voltar para os lugares designados nos bilhetes quando senti uns braços a minha volta. Por um segundo, e apenas um segundo preparei-me para gritar e o empurrar mas quando reconheci o conforto dos seus braços e o seu cheiro, foi como se finalmente pudesse relaxar, nem que fosse apenas naquele momento. Apertei-o contra mim, enterrando o meu rosto no seu peito - O Christian encontrou-me e tentou levar-me - expliquei-lhe - E tu ? Estás bem ?

O meu sangue começou a ferver quando ela me contou o sucedido. Como assim? De todas as pessoas? De todos os predadores? A culpa era minha. Devia ter morto aquele pedaço de lixo enquanto tivera hipótese. Metê-lo numa cama de hospital durante semanas não fora suficiente. - Um dia ele vai pagar por tudo o que te fez. Prometo - Prometi entre dentes cerrados. 

Estava a aproveitar demasiado aquele abraço, aquela sensação conhecia de ela se abraçar a mim, mas tive que quebrar pois estávamos a chamar a atenção de vários passageiros. - Estou bem - Garanti apesar de sentir que anda estava a sangrar do lábio. - Precisamos de encontrar os nossos lugares e não dar nas vistas. Temos menos de duas hoas até Paris  - E agora era quase certo de que haveria membros da Agência por lá. O duo enviado atrás de nós devia tê-los informado, e se ainda não o fizeram fariam assim que despertassem. Teria que implementar um plano B e pedir ajuda a antigos conhecidos franceses. Odiava pedir ajuda.

- Eu fiz-lhe frente e gritei como tu disseste. - respirei fundo e olhei para ele, vendo-o pela primeira vez. Ele não estava bem e acho que a sua cara estava a chamar mais a atenção do que o nosso abraço no meio do corredor. - Não estás bem, estás a sangrar - o seu lábio estava a sangrar, a sua bochecha começava a ficar negra. Peguei na minha manga e, levemente limpei o seu labio. - A casa de banho é lá atras, nós temos o kit de primeiros socorros aqui para desinfetares isso - desci a minha mao ate a dele e peguei nela, puxando-o.

- É isso mesmo! - Os meus lábios inclinaram-se num semi-sorriso orgulhoso por ela se ter defendido. A Hope de algumas semanas atrás talvez não tivesse tido a mesma coragem. Pois, mas lembra-te que agora só é assim porque lixaste a vida dela à grande. O meu subconsciente não me permitia esquecer. O meu sorriso evaporou-se rapidamente. Não senti como se tivesse hipótese se não segui-la embora, para mim, o estado da minha cara não fosse sequer uma prioridade.
O espaço da casa de banho era minúsculo, destinado a apenas uma pessoa - uma pessoa de altura normal, ainda por cima, o que não era de todo o meu caso. Para poupar espaço sentei-me sobre o tampo da sanita mas mesmo assim Hope tinha pouco espaço de manobra  - Isto não é nada. A sério. Preocupa-me mais que estejas em pé. Tens de descansar. Deixas-me ver os teus pensos curativos? - Que por esta altura deviam também estar ensaguentados com todo o movimento.

- Acho que se descansar neste momento não me vou voltar a levantar, estou a tentar não pensar muito nisso e deixar-me levar pela adrenalina que estou a sentir - abri a mochila e tirei o kit de primeiros socorros - Pode não ser nada para ti mas chama a atenção andares ai com um lábio ensaguentado, para não falar que pode infetar. Deixa-me fazer isto, depois podes ver os meus pesos - pedi-lhe e com todo o cuidado comecei a limpar e desinfetar as suas novas ferias

Eu já estivera na posição dela muitas vezes - em que a adrenalina se sobrepunha às necessidades reais do corpo. Sabia que o que dizia era verdade mas mesmo assim não a queria a desgastar-se até ao limite. Ainda por cima a nossa "aventura" estava longe de terminar. - Okay - Concedi não muito agradado. A sua gentileza era enorme e quase fazia a dor diminuir. A sua minuciosidade, contudo, custou-nos tempo que me stressava perder. - Obrigado. Está ótimo - Fu sincero no agradecimento - Agora tu. - Por razões práticas fazia sentido que ela se mantivesse em pé. Só teria que puxar a camisola para podermos analisar os seus pensos. 

Assenti, controlando o impulso que sentira quando ele me agradecera de lhe dar um pequeno beijo, nem que fosse para o fazer sentir melhor. O que é que eu estava a pensar ? Ele não queria saber dessas coisas, tinha sido tudo a fingir. Respirei fundo e levantei a camisola, fechando os olhos para não ver o verdadeiro estado em que estava. Eu sentia as dores e a cada minuto que passava, o meu corpo ficava cada vez mais dorido - Está muito mau ? - perguntei-lhe - Diz a verdade

Não lhe queria mentir mas também não a queria assustar. - Vai levar algum tempo a recuperares - A verdade é que o seu corpo não deixava margem de dúvidas quanto à violência física a que fora exposta. Desde os hematomas, ao sangue pisado, aos arranhões, a queimaduras e possíveis fraturas. Retirei as poucas toalhitas anti-sépticas e os pensos grandes que nos restavam para poder substitur os curativos ensaguentados. Tentei, como ela, ser o mais gentil possível mas estava demasiado furioso comigo mesmo por ter deixado que as coisas chegassem àquele ponto.  - Toma - Cedi os últimos comprimidos analgésicos assim como a garrafa de água. - Ainda temos cerca de uma hora e meia até chegarmos a Paris. Há uma forte posssibilidade de encontrarmos sarilhos quando desembarcarmos. - Novamente, não a queria assustar mas tinha que a preparar - Vamos encontrar os nossos lugares primeiro e já te ponho ao corrente do que nos espera. 

Tentei manter-me quieta e respirar o mais calmamente possivel, mesmo quando o que ele fazia ardia ou intensificava as dores - Obrigada - agradeci e tomei os seus comprimidos - Então estás a dizer que ainda vai ser mais dificil do que já foi ? - perguntei, mordendo o lábio. Hora e meia era muito tempo para estar sentada, quando me levantasse a possibilidade de o conseguir ajudar no que quer que fosse iria ser praticamente nula - Os lugares são aqui perto - sai da casa de banho para lhe dar espaço e voltei a pegar na sua mão para o levar até aos lugares. Não sabia se tinha sido de proposito, ou apenas tinhamos tido sorte mas os lugares até estavam longe dos restantes passageiros, dando-nos uma falsa sensação de privacidade. - Não seria melhor sairmos antes de Paris se vamos encontrar sarilhos assim que lá chegarmos ?

Felizmente estávamos perto dos nossos lugares. Acho que tanto eu como ela agradecíamos que a distância da casa de banho até lá fosse curta. Custou-me um bocadinho quando as nossas mãos se desenlaçaram quando nos sentámos lado a lado. - Isso é capaz de não ser má ideia - Não me tinha ocorrido por Paris ser o único território em França que conhecia bem - O comboio vai fazer apenas uma paragem em Lille - Indiquei depois de ver o percurso no bilhete. Olhei para Hope - Que eu me recorde não há nenhuma célula da Agência aqui. Ficaríamos também a menos de uma hora da Bélgica. - Realmente, porque não me lembrara disto antes? 

- Isso quer dizer que não me vais fazer saltar de um comboio em andamento ? - perguntei em tom de brincadeira, grunhindo quando tive de me sentar - Então saimos em Lille e depois seguimos para Paris ? Para Bélgica ? Quando é que isto vai acabar Julian ? - suspirei e acabei por encostar a cabeça ao seu ombro. Sentia-me exausta - Se isto nunca mais vai acabar, mais vale tu.. bem, safavas-te melhor se tivesses sozinho

Aquilo arrancou-me uma gargalhada baixa - Nada de saltar de comboios em movimento. A vida real não é tão  fantasiosa como nos filmes - Infelizmente conseguia ser pior, mais cruel e complicada.  Grunhi de frustração perante a sua pergunta - Não tenho respostas a isso, Hope. Nada disto era suposto estar a acontecer. - Era suposto ela ter sido deixada em paz e eu sair de cena. - Não vão desistir de te tentar encontrar tão cedo, não enquanto não obtiverem o que querem - algo que o teu pai desenvolveu. Por isso temos de ponderar a hipótese de que vamos andar a monte durante algum tempo. - Odiava não ter boas notícias para lhe dar. - Isso não vai acontecer. Não te vou deixar. - Quem estava em perigo era ela. Ia reunir a decência que ainda me restava e protegê-la. Era o minimo que podia fazer depois de todo o mal que lhe causara. 

- Mas eu não sei o que eles querem, eu já disse isso tanta vez. Eu nunca vi o meu pai a fazer nada, achas mesmo que ele me deixava ver o que fazia no laboratorio ? Se quiserem eu engulo um frasco inteiro de soro da verdade, não é assim tão dificil de fazer, e eu respondo ao que quiserem. Eu não sei nenhuma formula do que o meu pai inventou, eu nunca ouvi falar de Hopium, ou lá o que a tua ex lhe chamou, e eu não sei onde o meu pai está. Eu não sei - suspirei. Nos ja tinhamos tido aquela conversa. Ele não me ia deixar e eu insistia para ele o fazer - Vamos ser honestos, era mais facil se o fizesses. Não é que tenhamos muitas hipoteses comigo assim, sou provavelmente o alvo mais facil que já andaram atras. Não consigo correr, não sei lutar. O que é que eu posso fazer ? Nada de útil

- Eu acredito em ti e comuniquei que esta era a situação várias vezes, mas nada os vai fazer desistir de tentar pôr as mãos no Hopium. Não interessa se não sabes nada: terem-te apenas para chantagear o teu pai ou fazê-lo sair do buraco onde se meteu é o que eles querem - E pensar que até à bem tempo eu fizera parte desta façanha. Embora o meu objetivo nunca tivesse sido magoar Hope e, inclusive, tentar evitar o que estava a acontecer agora, continuava a não ter desculpa. - Primeiro deixa-me contrariar-te: tu consegues lutar. Não treinámos aquelas sessões em vão. Se for preciso consegues fazer frente a alguém, desde que não estejas em desvatangem - O que era mais provável que ela tivesse, mas enfim. - Segundo, quero que fique claro de uma vez por todas que não te vou deixar enquanto não tiver certeza absoluta de que estás em segurança destes predadores. Não quero saber de mais nada, percebeste? - Controlei-me para que o meu tom não soasse muito duro - No que depender de mim não te apanharão. Nunca mais. - Jurei solenemente olhando-a profundamente.

- Achas mesmo que eu consigo lutar contra pessoas treinadas ? Mesmo que eu não tivesse completamente partida ao meio, as hipoteses de eu me safar eram quase nulas - tentei ser o mais realista possivel. ele tinha-me ensinado uns truques, isso era verdade mas não contra assassinos profissionais e muito menos quando eu mal conseguia andar, quanto mais lutar. - Não é justo que eu te prenda a mim sem te dar uma opção de saires desta embrulhada, é quase como o cartao do monopoly para sair da cadeia de graça - expliquei-lhe

- Creio que poderás ao menos tentar-te defender-te. Terás melhor hipóteses se andares armada.  - Era algo que teria que ser resolvido. Mais valia que ela andasse armada, fosse com amas brancas ou revolveres. Eu iria andar com ambos doravante. - Só precisas de ganhar tempo porque, espero eu, se uma situação dessas se proporciar eu estarei por perto - Mas não queria ponderar para já este tipo de cenários. Não novamente. - Não consegues mesmo entender, pois não? - Fazia sentido que ela não entendesse as minhas motivações. Aos seus olhos eu devia ser o menos mau, mas ainda assim mau, de todo o lote de pessoas que ela estaria a considerar agora. Todo e qualquer sentido de proteção, dever e honra que tinha para com Hope não estavam provavelmente presentes na sua mente. Nem os meus sentimentos, se é que isso entrava no baralho. A minha traição provavelmente destruíra tais noções. - Não me estás a prender se a intenção de ficar for minha. Eu já estou nesta embrulhada há muito tempo mas tu não mereces estar. Enquanto não for assim não vou a lado nenhum.