Mer & Heath's

Suspirei e deixei este assunto ir. Ele estava ansioso por casar, eu queria estender o noivado o máximo possível mas talvez não ganhasse desta vez. Já tinha a casa - ok - respondi-lhe - mas se não tivermos dinheiro dentro de um mes, vamos só ao registo civil e ao restaurante, nada de casamento no parque - avisei-o - aceito se aceitares este compromisso - cruzei os braços, olhando-o seriamente. Não nos ia colocar cheios de dividas só por um papel assinado. Nós já faziamos tudo o que um casal fazia. Viviamos juntos, partilhavamos contas. qual seria a diferença depois ?

Estava numa pilha de nervos até tocar à campainha da sua casa, a nossa casa em tempos, e que agora era dela e de Mason. Tanto quanto a queria ver, também nao queria pois sabia o quão marado me deixaria. No entanto tentei relembrar a mim próprio que esta visita não era sobre mim bem sobre nós mas sim sobre Haven e em tentar controlar e dar sentido a este sentimento de perda para o qual nada me podia ter preparado. 

- Obrigado por teres oferecido esta possibilidade  - Entrei apreensivamente na casa após a sua indicação e por momentos fui transportado a uma altura simples da minha vida em que ali tinha habitado pois a casa continuava muito parecida, havendo pouca evidência de que era a casa de um casal casado agora. - Foi a minha terapeuta que, uh, sugeriu. Mas eu também sinto necessidade de perceber melhor o que se passou... de processar o que aconteceu à nossa filha - nem sabia como abordar algo ao qual o mero pensamento trazia tanta mágoa e dor.

- Entra.. - dei espaço para ele passar, respirando de alivio por ele nao ter simplesmente o assunto de Haven para o lado - Eu vou tentar responder de melhor maneira as tuas questões, posso-te contar tudo - comecei a subir as escadas para o berçario - Nao sei bem como queres fazer.. queres que te deixe sozinho ? Queres que fique contigo ? Eu.. so quero o melhor para ti - estava nervosa com a sua presença. Ninguém entrava no quarto de Haven a nao ser eu, era la que mantinha fechado todas as memorias com Heath

Percebi ao fim de alguns segundos que ela me dirigia para onde, em tempos, tinha sido o escritório,  praticamente uma divisão que nunca tinhamos usado. Quedei-me mudo e imóvel com o choque do que essa divisão era agora - ou deveria ter sido: o quarto da nossa filha. Todo ele amorosamente preparado para receber um bebé que nunca tinha chegado a ter oportunidade. Depois de recuperar o suficiente do choque, disse a primeira coisa que o meu coração largou - Lamento que tenhas tido de passar por tudo isto sem ajuda - queria dizer a minha ajuda pois pensava que Mason ao menos estivera lá para ela depois. Manti-me imóvel, sentindo-me um gigante perto de todas a mobília e demais coisas delicadas naquele quarto. America tinha feito um excelente trabalho com ele.

- Na altura ajudou um pouco pensar que não terias de passar pela dor mas culpei-me muito porque por minha causa não poderia ter a nossa filha nos braços e tu nunca a poderias conhecer - baixei o olhar. Fui até à cómoda que ainda tinha roupa de Haven e, numa das gavetas, tinha guardado tudo o que tinha do hospital - No dia do piquenique eu ia dar-te esta t-shirt e o onesie - dei-lhe para a mão o pequeno onesie e desdobrei a t-shirt - Eu tinha uma a combinar

Meu Deus, porque achara a terapista que isto ia ajudari quando tudo o que eu sentia eram ondas atrás de ondas de dor e de arrependimentos e de mágoa e de perda e de saudades. Era assim que sentia ao segurar o onesie que America me passava, o onesie que eu devia ter visto em Cape Cod. Tentei aguentar-me, tentei manter as minhas muralhas erguidas mas era difícil.  - Como foi? - perguntei numa voz tremida. - Como foi senti-la. Como foi quando ela... nasceu - clarifieui, uma lágrima a cair pelo meu rosto. 

Pousei a camisola no berço e sentei-me na cadeira de baloiço - Eu não passei das 26 semanas então não a senti durante muito tempo mas a primeira vez que senti foi o melhor sentimento de sempre, foram como borboletas - sorri ao lembrar-me da minha barriga - O parto não foi o melhor - suspirei - Eu tinha ido buscar um bebé a uma pequena clinica quando tivemos um acidente a beira da estrada, a ambulancia andou as voltas e eu acho que bati com a barriga e a cabeça nalguns sitios. Depois de termos estado algum tempo a ajudar a familia que bateu em nos, chegou a outra ambulancia e foi quando eu comecei com dores. Ela nasceu com 26 semanas e 4 dias, eu não tive tempo para epidural nem nada e pude segura-la durante um par de horas - limpei uma lágrima - Vesti-lhe esse onesie porque era tudo o que tinha comigo, embrulhei-a na sua mantinha e depois tive de a deixar ir - dei-lhe a versão mais resumida. Ele não precisava de saber mais. Não conseguia olhar para ele com o sentimento de culpa enquanto alisava a manta dela

Ver America naquele quarto tão pristinamente preservado só me fazia ter flashbacks imaginários do que poderia ter sido: dela naquela cadeira de baloiço com a nossa filha ao colo, a embalá-la; nas fraldas que teriam sido trocadas no multa-fradas ao lado; nas canções de adormecer que teriam sido cantadas sobre o berço... E ao ouvir o seu testemunho do que se passara, o que tornara todas aquelas potenciais memórias nada mais do que um sonho, o meu coração partia. Partia pela nossa filha, mas também por America por ter passado por aquilo tudo em primeira mão e ter sido roubada de ser uma mãe incrível, e partia por nós,  pela família que podíamos ter sido. Nem me dei conta que as lágrimas não paravam de brotar a este ponto. Tanto sofrimento e para quê? 

-  Não tenho dúvidas de que fizeste os possíveis - Queria que ela o soubesse. Eu podia guardar ressentimentos mas aquele não era um deles. - Nada devia ter sido assim - solucei pela primeira vez naquele dia. Instintivamente aproximei-me e toquei na manta que ela própria tinha em mãos, a manta onde por um breve pedaço de tempo a nossa filha tinha sido aconchegada mesmo sem sentir.

Abanei a cabeça, oferecendo-lhe a manta para ele poder tocar a vontade - Desculpa Heath. Se eu pudesse, eu faria tanta coisa diferente - disse, tentando limpar as lágrimas - Eu se pudesse tinha trocado de lugar com ela porque tu merecias conhecê-la e vê-la crescer e eu estraguei tudo contigo - tapei a boca para abafar os soluços - Pensei que com Haven, o nosso amor duraria para sempre. Teria uma parte de mim e de ti e seria feliz com ela, criei toda esta história na cabeça e depois... Desculpa Heath. Desculpa. Desculpa - pedi

Ao contrário do que tinha sentido no cemitério, desta vez não tinha forças em mim para culpa-la. À minha frente só via uma mãe que perdera a sua filha e passara-o sozinha. Caí de joelhos à sua frente, à frente da cadeira de baloiço. Só sentia o bater do meu coração e o rebombar dos soluços dela. Ali estávamos os dois, desolados mas unidos ao mesmo tempo por algo que nos ultrapassava. Segurei nas suas mãos e cobria-as com as minhas. Por momentid ficamos só assim, ambos a chorar e a fazer o luto pela filha que mais teríamos amado no mundo se tivessemos tido oportunidade. - Nao foi culpa tua -  consegui dizer e percebi que acreditava naquilo. Nao pagava dor nenhuma e nao pagava a traicao que sentia, mas sabia que Mer teria dado a sua vida pela nossa filha e que rudo não se passou de um acidente que ninguém poderia ter antecipado. 

Entrelacei os meus dedos nos seus e puxei-o para mim, abraçando-o. Por muito tempo que passasse e por muito que me dissessem que a culpa não era minha. Ficamos os dois apenas a chorar e a fazer o luto pela nossa filha, algo que nenhum dos dois merecia passar mas deviamos tê-lo feito juntos se eu não tivesse sido tão egoista - Tu merecias muito mais que isto, não devias sofrer por causa do meu egoismo - e o universo agora estava a compensá-lo com Marlee grávida, um redo. Filho de Heath, irmãs diferentes. Talvez ela pudesse dar o que eu falhei redondamente

Levaram bastantes minutos até o choro acalmar. Podiam ser lágrimas derramadas que não traziam nada de volta, mas aquele momento com America deixava-me pelo menos a sentir que partilhava com ela este luto, apesar de nunca ter conhecido Haven. No entanto a nossa bebé era tão real para mim como se tivesse. -  Tu não merecias passar por isto. Todo este sofrimento... não tem explicação possível - eu não precisava das suas desculpas, percebi. Não nisto. Não a culpava. 

Olhei para ele e apertei a sua mão - Ela era linda, como tu. Queria tanto que a tivesses conhecido - murmurei - Queres uma foto dela ? - perguntei baixinho. Tinha ficado com várias copias das fotos que Mason tinha tirado, tinha também a marca da mão e do pé - Eu não sei o que possa fazer ou dizer para que não te doa tanto, só consigo pensar em desculpa

- Eu sinto que preciso de dizer algo ou fazer algo - peguei na caixinha das memórias e sentei-me ao seu lado - Fiz isto para juntar a tua caixa com as cartas. - Dei-lhe uma copia da foto dela no funeral porque era a mais bonita juntamente com uma marca da sua mão e pé. No hospital davam sempre duas cópias, uma para cada pai. Eu tinha guardado as duas - São para ti

Apreciava a sua preocupação em tentar tornar as coisas mais fáceis para mim, sobretudo quando sabia o quanto isto lhe custava. - Obrigado - com as mãos a tremer peguei na fotografia e analisei-a com cuidado, cada traco da nossa pequena Haven. Meu deus, ela tinha sido mesmo pequenina mas tão perfeita. Fora a linha do nariz, toda ela se parecia com America. Como é que um anjo tao perfeito tivera aquele destino? Os soluços e o choro regressaram. Procurei inconscientemente Mer para me apoiar, abracando-a fortemente.

Abracei-o com força, fazendo circulos nas suas costas - eu prometo que nao doi assim para sempre. - nao sei quanto tempo tive eu a passar as maos nos deus cabelos a tentar acalma-lo. Eu conhecia bem esta dor, o poço sem fundo que era depois de ver Haven a dormir eternamente. Fiquei em silêncio com ele no nosso berçário o tempo que ele precisou

Não queria que ele se afastasse mas também era iniusto prendê-lo quando não era meu. Acariciei o seu rosto, limpando as restantes lagrimas - se tudo fosse diferente eu nunca te teria deixado. se tudo fosse diferente eu estaria casada contigo e a nossa bebe estaria a fazer um ano - suspirei, beijando a sua testa - o meu maior arrependimento é deixar-te naquele dia e se pudesse voltar atrás, não hesitava - admiti. Eu iria amá-lo ontem, hoje, amanhã e para sempre 

Deixei-o levantar-se e baixei o olhar. Eu queria voltar atrás no tempo, eu queria estar com ele aqui ou em Boston e a nossa filha nos braços. - Eu só queria que fosses feliz e recuperasses as tuas memórias porque eu sei que tinhas toda uma vida antes de mim e a minha decisão e a minha insegurança só vieram estragar a nossa vida. Desculpa - limpei as lágrimas, apertando o meu fio nas mãos. Desde que o usava que se tornara uma peça de conforto - O que fiz pode ter sido errado mas tudo o que fiz e tudo o que farei será sempre por amor. - mesmo que tivesse de lhe mentir novamente e não lhe dizer nada sobre a minha irmã, pelo menos não neste momento onde as suas emoções estavam a flor da pele

Mantive-me atento às suas palavras, de lábios cerrados, apesar de ter a mente num estado caótico. Acreditava nela, verdadeiramente, mesmo que isso não mudasse nada. - Eu sei que o fizeste por amor -  declarei por fim, num tom baixinho. Não alterava que tivesse sido a escolha errada, que tudo teria sido diferente se ela tivesse falado comigo e não partido dos Estados Unidos.- Eu... devia ir-me embora.

Mantive o olhar preso nele o tempo todo, relembrando todos os seus traços. A minha memória e os meus sonhos não lhe faziam justiça - fica com a fotografia - disse quando ele começou a esticar a mão para me devolver as coisas - aliás podes ficar com a caixinha toda, eu fiz duas cópias de tudo.. uma para mim e uma para ti.. - baixei o olhar. Na minha tinha inclusive as suas cartas e tudo o que Jordan me tinha trazido - Heath..

- Obrigado - agradeci num tom de voz ainda longe de isente de emoção. As mãos tremiam-me ainda quando aceitei a caixa. Havia um sentimento de culpa com aquilo, de por um lado ter deixado tudo aquilo acontecer sem desconfiar de nada e por outro por ter sido ela a lidar com tudo sozinha. Queria então olhar para ela uma última vez e dizer adeus, adeus ao que podia ter sido e não foi, mas quanto mais a olhava mais o meu coração recusava o meu cérebro a deixar-me mexer. As nossas mãos tocavam-se encostadas à caixa. 

Ofereci-lhe a caixa e ambos ficamos parados a segurar na caixa, as suas mãos sobre as minhas. Não queria acabar com este momento porque sentia-o a fugir-me e depois do que tinhamos passado, eu não sabia se o conseguia deixar ir novamente. Queria dizer-lhe tanta coisa, queria fazer tanta coisa com ele, coisas que não eram possíveis agora. Ele estava com Marlee e eu estava com Mason. Dei um passo na sua direção até a única distância entre nós ser a largura da caixa que estava entre os nossos corpos e olhei para ele. Esperava que ele percebesse o quanto ainda o amava apenas com um olhar

Podiam ser apenas os dedos das nossas mãos a tocar-se levemente, mas era impossível não sentir a intensa química que fluía, o quão os nossos corpos se reconheciam mal se tocando. Quase me dificultava a respirar por um segundo. Queria se não esquecer tudo e beijá-la naquele momento, ter um momento de paz ignorando o quão mau tudo era. Requereu toda a minha força para não o fazer, para não ser egoísta dessa forma. Ela é casada. A irmã dela está grávida de ti. Que mundo ridiculo era aquele em que víviamos. 
Dei um passo atrás, quebrando o nosso contacto.