Boston

Quando dei por mim também estava encostado a Mer a dormir. Acordei quando passámos por alguma turbulência. Felizmente America não acordou. Olhei para o relógio: mais uma hora pelo caminho. Senti as minhas mãos ficarem suadas. Não fazia ideia do que iria acontecer quando aterrássemos: estarião lá os meus pais à espera? Outra pessoa? Ninguém? Fazia-me questionar porque raios não me tinham dado o número de ninguém. Pelo intercomunicador o piloto anunciou que começaríamos a fazer a descida em breve e que deveriamos colocar os cintos - Mer? Amor? Desperta.

Acabei por dormir o resto da viagem, acordando apenas quando Heath me chamou - Hmm ? - Percebi que estavamos a chegar porque todos os passageiros estavam sentados. Coloquei o cinto e começamos a nossa descida - Desculpa, nao devia ter dormido a viagem toda - esfreguei os olhos

Respirei fundo, evitando olhar pela janela quando estavamos a aterrar - Nem acredito que chegamos - disse.lhe, tirando o cinto quando disseram que era seguro. Deixei Heath seguir a minha frente, aceitando a minha mala com um agradecimento. - E agora ? - perguntei.lhe - Os detalhes tinham sido dados a ele

Fomos, novamente, os últimos a sair do avião. – Disseram-me que estaria alguém à nossa espera à saída da base. Não lhes seriam permitida a entrada aqui – Por questões de segurança uma vez mais. Não sabia de quem se tratava, mas acreditava que seriam os meus pais. Tinham de ser, certo? Um cadete militar acompanhou-nos até à saída. Curioso, olhei a tudo em volta. Era capaz de já ter estado aqui antes, mas nada despoletava uma memória.  Chegámos à saída e aí o cadete informou-nos ao mesmo tempo que apontava para um jipe Land Rover azul escuro – Chegou-nos há pouco a informação de que a sua família não conseguiu vir buscá-lo. Sem o querer preocupar, Lieutenant Prescott, mas creio estar relacionado com a sua mãe e os nervos que não a permitiam conduzir. De qualquer dos modos foi-vos facultado um transporte privado que podem usar para lá chegar. As indicações estão no GPS, não deverão ser mais do que 2h de caminho. Quando for chamado a comparecer nos escritórios do US Army Department – algo que vai acontecer ao longo desta semana – poderá retornar o veiculo. – Depois disto fez-me a saudação militar, a qual senti a obrigação de retribuir – Desejo-vos uma boa viagem. 

Dito isto deixou-nos e fiquei apenas eu e America à saída da base. Nós e um jipe, aparentemente.

Depois de sermos encaminhados para fora da base, ficamos sozinhos a espera de vermos alguem a dirigir.se a nos mas foi como um balde de agua fria. Conseguia ver a desilusao em Heath crescer a medida que o cadete nos informou que ninguem o tinha vindo buscar, que seriamos só nos os dois por mais duas horas até um sitio onde nunca tinhamos estado - Obrigada - agradeci ao rapaz antes deste se afastar - Heath.. - ele estava parado a olhar para o jipe que nos tinha sido dado - De certeza que eles vao ter uma boa razao para nao terem vindo aqui, mas temos de ir para percebermos o que aconteceu - agarrei na sua mao e puxei.o, pondo as nossas malas na bagageira - eu conduzo

Não fora assim que imaginara a minha chegada. A ansiedade toda à saída do avião devia-se por achar que, dali a minutos, contactaria com a minha família pela primeira vez. Foi um enorme balde de água fria quando percebi que isso não ia acontecer e que, ao invés, teríamos de guiar até à morada indicada no GPS. A única parte menos má, embora nada reconfortantes, foi saber que efetivamente tinha havido vontade de me virem receber e que pelo menos a minha mãe o teria feito. Era bom sinal, certo? – Ao menos sabemos que queriam ter vindo – Atrevi dizer como que se o fazendo isso o fosse tornar real. – Acabámos de sair de um voo longuíssimo e estamos num país totalmente novo para ti. Odeio que tenhas de o fazer – Eu ainda não tinha licença para conduzir, nem tentara ainda fazê-lo. Talvez agora que estava nos EUA isso fosse possível. Abri a porta do condutor para que ela entrasse e só depois me ocorreu – Consegues conduzir com o volante deste lado?

- Acho que me consigo safar - olhei para o interior do carro - Temos sorte, é um carro automatico. Acho que nao vamos ter problema - entrei para dentro do jipe e antes dele se afastar, puxei.o para mim para o reconfortar - desculpa que eles nao tenham aparecido mas temos a morada e vamos ter com eles, nem tudo esta perdido - encostei as nossas testas - é só um contratempo

Preferia que tivessemos alguem com experiencia atras do volante ou entao que pudesse mete.lo de volta naquele aviao e voltar para tras, mas nao podia. Olhei para ele e sorri, pondo o cinto - Pronta - respondi.lhe o mais confiante possivel - Entao vamos lá sr. co-piloto - liguei o gps e muito devagarinho comecei a habituar.me ao volante e a estrada

Respirei fundo antes de ela arrancar e depois lá fomos. Os primeiro quilómetros eram desertos. A base área estava realmente isolada - Nunca antes te tinha visto conduzir - Reparei. Em Londres não houvera ocasião e ela não tinha carro próprio embora eu soubesse que Mer tinha carta.

Não queria tirar os olhos da estrada apesar de ninguem passar. As minhas maos firmes ao volante, estavam a ficar brancas com o esforço - Não é algo que eu costume fazer - encolhi os ombros - Mas eu prometo que não vou ter nenhum acidente. - Se dependesse de mim, não veriamos ninguem na estrada até sua casa, apesar disso ser impossivel - Estás muito nervoso ?

- Conduzes bem - Podia ver que a condução, pelo menos ali, era um fator de stress e desejava que ela não o tivesse por minha causa. - Nervoso? Um bocadinho. Mas é normal, não achas? - De quando em quando espreitava para o GPS caso fosse preciso dar-lhe dicas - De acordo com a rota não vamos sequer passar perto do centro da cidade. Devemos safar-nos de maior trânsito.

Ri.me - Obrigada. Claro que é normal, estranho seria se não tivesse reação mas estás a conhecer a tua familia como se fosse a primeira vez. Até eu estou nervosa e não é só por estar a conduzir no lado contrário do carro - Tirei a mao do volante por um segundo, apertando a sua perna, sorrindo - Ao menos isso, pode ser que não encontremos carro nenhum

- Vais ver que sim - apesar de preferir que não encontrassemos carros, isso não foi possivel. Assim que deixamos o deserto começamos a ver mais viaturas pelo caminho. Só tinha de manter a calma e tudo ia correr bem. Fui seguindo o GPS à risca, passando por paisagens tão diferentes do que estava habituada que só queria parar para poder observar tudo mas acabei por continuar.

Acabamos por chegar a uma zona mais conservadora, com grandes casas onde tudo parecia perfeito. Nem o vento parecia soprar para não estragar as folhas das arvores - uau - murmurei. Não tinha nada a ver com a nossa casa, ou o nosso bairro. Apesar de não ser perigoso, era no meio da cidade, havia barulho e movimento a todas as horas do dia. Aqui era tão sereno - Virar à direita a 500 metros. Está a chegar ao seu destino - segui o GPS, parando em frente a uma grande casa colonial, algo que eu chamaria de mansão - Preparado ? - perguntei, olhando para ele quando parei

De acordo com o GPS tínhamos chegado. Mer parou o carro em frente a uma enorme casa branca com um relvado imaculado e uma bandeira norte-americana a meia haste. Era aquela a casa onde eu crescera? Porquê que não me recordava? Respirei fundo novamente – Tão preparado quanto posso estar. – Era isto que eu queria, certo? Vamos lá, Heath, é isto que tu queres. Sim, estava nervoso mas também ansioso e entusiasmado. Finalmente ia saber mais de quem era. 

Saí do carro e contornei o mesmo e fiquei então no início do caminho que ficava para a casa. Deveria andar até à porta e tocar à campainha? Como que no timing perfeito, a porta abriu-se e de lá saiu uma senhora que devia estar no início dos seus sessenta anos, loira e de estatura média, imaculadamente vestida e arranjada. Estacou ao ver-me e eu ao vê-la a ela. – Oh HEATH! – Disse depois enquanto começava a andar na minha direção o que me fez fazer o mesmo. Só então reparei que havia outra pessoa com ela, uma rapariga estonteantemente alta e loira. Não tive tempo para reparar mais porque fui abraçado pela senhora mais velha e, embora eu não me conseguisse recordar, sabia simplesmente que era a minha mãe. Eu era bem mais alto do que ela mas retribuí o abraço e deletei-me na estranheza do momento. Uma mãe que pensara ter perdido o filho para a guerra e um filho que não se recordava da mãe. – Estás mesmo aqui. É um milagre – Disse-me já com uma lágrima no canto do olho – Um milagre! – Exclamou – Não é, Catherine? – Só então percebi de que falava também com a rapariga que estava no seu encalço. Ambas olhavam-me de uma maneira estupefacta, como que se tivesse ressuscitado – Estás em casa, filho. Finalmente. Não bastou terem-te dado como morto, ainda te perderam sabe-se-lá como por aquelas terras inóspitas do outro lado do Atlântico – Voltou a abraçar-me e assim ficou. Depois pôs a mão no meu rosto e analisou-me como que se ainda estivesse a certificar de que era real – O meu menino está de volta a casa.

- Olá Mãe – Foi o que consegui dizer. Estava ligeiramente assoberbado.

Asssenti e sai do carro. A casa da sua familia, a sua casa era enorme, uma casa de filme, lindissima toda branca. Heath olhava para a casa como se tentasse lembrar de onde vinha mas conseguia ver pelo seu sobrolho franzido que não lhe dizia nada. Ia perguntar.lhe se queria tirar as malas antes de ir ate a porta da casa quando a porta se abriu e de lá, saiu uma senhora, possivelmente a sua mae.

Fiquei para trás quando ela começou a chamar por ele e a correr na sua direção, este momento era só dele e eu não me queria meter. Tirei as nossas malas e pousei.as ao meu lado, encostando.me a porta do carro, enquanto ele abraçava a sua mãe que não devia ser muito mais alta que eu, aparentemente Heath devia sair ao pai no que tocava a altura. Olhei para a porta de casa onde se encontrava uma mulher elegante, loira e com bastante classe. Será que além de uma mãe, também ele tinha uma irmã ?

A minha mãe cedeu-me algum espaço, mas não muito. Era como se, uma vez estando eu aqui novamente, não quisesse voltar a perder-me de vista. Deu apenas espaço a que a rapariga loira – Catherine, ao que parecia – se aproximasse e também me abraçasse. A nossa altura era semelhante, embora ela estivesse na verdade de saltos altos. Fui tomado de surpresa pois não fazia ideia de quem era esta pessoa mas sabendo que só podia ser alguém que me fora próximo no passado. – As minhas preces foram ouvidas. Voltaste – Sussurrou-me fugazmente ao ouvido durante aquele abraço que fora mais longo e íntimo do que se fossemos só meros conhecidos. Depois finalmente tive espaço novamente.

- Mãe e Catherine – Comecei por dizer enquanto olhava para trás e fazia sinal a Mer para se juntar – Não sei se vos avisaram da minha recuperação. Eu… eu estou amnésico. Não me lembro de muito da minha vida. Eu lamento mas nem sequer me recordo do que já vivemos – Era melhor que soubessem já. Vi o choque no rosto de ambas – De resto estou recuperado e é sobretudo graças à America. – Sorri levemente. Vi que os olhos das duas mulheres se fixaram nela, as suas expressões confusas e intrigadas ao mesmo tempo – Não só foi a enfermeira que esteve comigo durante todo o processo, mas também quem me ajudou em tudo o resto e… bem, apresento-vos a minha namorada.

Heath finalmente estava em casa. Devia sentir.me feliz, a dar pulos de alegria mas, na verdade, sentia um nó no estômago. Baixei o olhar para lhes dar alguma privacidade, enquanto eles se reconectavam depois deste tempo todo separados. Heath que era sempre tão confiante, parecia um pequeno grande rapaz mais perdido do que nunca.
Olhei para ele quando me chamou, sorrindo. Aproximei.me, deixando uma pequena distancia entre nós - Boa tarde. Muito prazer em finalmente poder conhecê-la, Sra. Prescott - cumprimentei. Agora que estava junto a ele, conseguia ver as parecenças fisicas entre ele e a sua mae. Os olhos azuis, o cabelo claro e até no formato dos lábios. Consegui ver o choque a passar-lhes no rosto quando ele me apresentou como sua namorada. A minha presença não era propriamente desejada pelo que consegui perceber, provavelmente pensavam que eu era apenas a acompanhante que vinha deixar o Heath e acabaram por descobrir algo mais.

Apertei-lhe a mao, sorrindo amigavelmente - Não tem mal, Sra. Prescott foi uma decisão de uma ultima hora. - disse para a tranquilizar. Não queria criar já conflito, de qualquer maneira achava estranho não terem informado que Heath viria acompanhado mas decidi não comentar. Engoli em seco quando o meu pior pesadelo se tornou realidade nos primeiros minutos de conhecermos a sua familia. Afinal eu tinha razão, ele tinha alguem na sua vida antes de mim. Alguém que ele amava e que o amava, ao ponto de irem casar. Não sabia o que dizer. - Obrigada - murmurei, indo buscar a minha mala. Segui atrás de Heath, ficando ainda mais estupefacta com o interior da sua casa - Tem uma casa maravilhosa, Sra. Prescott. É linda - aclarei a voz, tentando evitar olhar para a noiva elegante de Heath. Será que ela tinha seguido em frente ou continuava solteira ?

O ambiente não estava o melhor. Ainda pesava a revelação que tivéramos há pouco e era muito constrangedor partilhar o espaço com a minha namorada e uma noiva… ex-noiva, pensei. A casa era enorme, mas irreconhecível para mim. Deixei as malas à entrada depois de a minha mãe indicar que fossemos até à sala de estar que era, na verdade, um espaço bem formal. Numa parede havia um quadro em destaque. Aproximei-me para o ver melhor e perceber de que era da minha mãe comigo em mais novo e um senhor mais velho. Tanto ele como eu estávamos fardados. A dedução foi simples – Onde está o Pai? Em missão? – Questionei curiosamente enquanto voltava a virar para as encarar. Apenas a minha mãe e Mer estavam na sala, cada uma numa ponta desta em sofás opostos. Vi a expressão da minha mãe mudar – Não te lembras mesmo de nada – Lamentou e levantou-se, indicando-me um móvel de sala onde estavam duas bandeiras dos EUA devidamente embrulhadas na sua forma triangular. Não devia ter feito sentido nenhum, mas fez – Ele morreu pouco antes de partires para a tua segunda missão. Ataque cardíaco – Informou-me praticamente num soluço. – Ele tinha imenso orgulho em ti, Heath – Não sabia o que pensar nem o que sentir. Observei a fotografia uma vez e nada, aquele rosto não me lembrava ninguém. Só isso por si só doía. – E esta deram-me quanto tu… quando tu… - Antes que começasse a chorar a minha mãe pediu licença para se ausentar, dizendo que compreendia que quiséssemos descansar e que nos veria para jantar, que não nos preocupássemos com nada. Foi nesse momento que Catherine regressou à sala trazendo num tabuleiro o que eu achava serem copos com limonada – Achei que podiam estar a precisar. Fi-la como tu gostas, Heath, com folhas de manjericão – Agradeci sem palavras. Por acaso a oferta veio mesmo a calhar mas não sabia o que lhe dizer e não sabia se queria falar com ela com America na mesma sala. Não era como se quisesse esconder alguma coisa de Mer, mas achava que quiçá não fosse o ambiente mais propicio.

Segui Heath e a sua mãe para uma sala, vendo a sua noiva desaparecer para outra divisão, não sabendo muito bem para onde ela ia. Sentei.me na ponta do sofá, agradecendo enquanto olhava em volta e admirando a mobília. Tentei ter o mais cuidado possível, percebendo que não conseguiria pagar nada, caso partisse. Vi Heath a admirar uma fotografia de familia que ocupava maior parte da parede de fundo, vendo.o orgulhosamente no meio dos seus pais com o seu uniforme militar. Como eles deviam estar orgulhosos do seu filho. - Onde está o Pai? Em missão? – Heath perguntou e consegui perceber que a sua mae ainda duvidava da sua amnésia. Como é que ela podia duvidar ? O que é que ele ganhava com isso ? A amnésia não lhe tinha trazido mais nada senão miséria e dúvidas sobre o seu valor enquanto pessoa. Quis dizer algo mas apenas apertei as maos no colo e fiquei calada, deixando.os a falar.

– Ele morreu pouco antes de partires para a tua segunda missão. Ataque cardíaco – arregalei os olhos, baixando o olhar. Mais uma facada para ele. Ia para lhe dizer algo quando a outra entrou, trazendo um tabuleiro com uns copos, aparentemente com limonada.

- Obrigada - agradeci, olhando para a sua mão, tentando perceber se ela ainda usava o anel de noivado mas não via nada na sua mão. Se calhar ela já tinha seguido em frente e estava ali só para ajudar a mãe de Heath neste momento dificil. Vi o seu olhar percorrer Heath de cima a baixo, como se lhe tivesse a tirar medidas, sorrindo e indo para o seu lado.

- Foram momentos muito dificeis que passámos, quando vieram cá a casa dizer-nos que te tinha perdido. Não entendes, foi como se tivessem tirado o meu bem mais precioso - disse num tom dramático, atirando.se para os braços de Heath. - Ainda bem que te tenho de volta - senti os meus olhos picarem mas recusei dar parte fraca.

- Com licença, eu vou à casa de banho - disse, levantando.me e retirando.me. Encontrei a casa de banho a terceira tentativa, trancando a porta quando entrei, deixando finalmente as lagrimas cairem. O que eu mais temia ia acontecer, eu ia perde.lo