Boston

- Eu sei que gritam - passei a mão pelo seu cabelo, fazendo desenhos pelo seu rosto com o meu dedo - Anda. Vamos sentar.nos na cama que é mais confortavel que o chão e vais tentar dormir, nem que sejam umas horas. Sentes-te sempre melhor quando dormes - fiz sinal para que se levantasse e baixei um pouco os estores para que o quarto ficasse com a iluminação mais suave - Claro que conseguirias fazer isto sem mim, és o homem mais forte do mundo. - Beijei os seus lábios e sorri. Sentei.me na cama e voltei a fazer sinal para o meu colo - Anda cá, deixa-me confortar-te - pedi.lhe, abrindo os braços para ele

Era incrível como a mera presença dela era um bálsamo. Mas era mais do que isso. America era a única pessoa que sabia exactamente o que fazer quando eu tinha uma crise destas. Não retorqui nenhuma das suas indicações e segui-as à risca. - Só me sinto forte quando estou contigo - O que também, até agora, tinha sempre toda a minha vida "consciente". As semanas que tiveramos separados tinham mostrado quão desamparado estava sem ela. Fechei os olhos mas mantive-me acordado e a saborear o seu toque calmante. Eventualmente adormeci mas os pesadelos teimaram.

- Olha como és forte, vieste até aqui enfrentar toda uma vida que esqueceste. No hospital foste tu que saiste do coma, trabalhaste dia e noite com o Marty para recuperar o teu corpo, a tua independência. Eu não podia estar mais orgulhosa - deixei-me ficar a mexer no seu cabelo e a aproveitar aquele momento nosso, que provavelmente seria dos poucos que iriamos ter nos próximos tempos. Ele acabou por relaxar e adormecer mas mesmo a dormir, não parava de se mexer e de murmurar palavras que eu não entendia

Acordei com suores frios a percorrer-me o corpo. Não sabia quanto tempo dormira, mas ainda estava com a cabeça no colo de America - Desculpa, Mer, já deves ter a perna dormente - Sentei-me na cama a seu lado. Lá fora já entardecia. Respirei fundo e coloquei as imagens do pesadelo de lado. Segurei na sua mão e elevei-a docilmente até nesta poder pousar um beijo.

Conseguia perceber que ele tinha tido um dos seus pesadelos mas não ia insistir a perguntar-lhe o que era. Quando ele tivesse pronto, ele contar-me-ia - Hey, não estou nada dormente. Nem tens de pedir desculpa, como está a tua cabeça ? - perguntei, passando a mão no seu rosto. Na verdade, eu quase tinha adormecido umas vezes mas não o queria fazer caso ele acordasse em panico. De qualquer maneira, já estava a ficar escuro e isso significava que a sua mãe iria certamente controlar se ele ia ficar no seu quarto ou não. Era obvio que ela nao gostava de ver Heath comigo e a sua cara quando nos descobriu aos dois juntos, confirmou a minha teoria - Vamos comer, deves ter fome

Abanei a cabeça em resposta à sua pergunta - Já doeu mais - O que não significava que deixara de doer, mas era sempre assim e não havia nada que pudesse fazer dado que nem os comprimidos ajudavam. Seguimos os dois para a sala de jantar onde, como prometido, a minha mãe tinha colocado a encomenda do que supostamente era o meu restaurante favorito das redondezas. Eu não tinha grande apetite mas fiz um esforço para comer e mostrar-me agradecido por aquilo pois verdadeiramente estava. Ao menos o jantar serviu para contar à minha mãe alguns detalhes da minha vida desde que acordara no coma. Perdi a conta às vezes em que a sua expressão se embrulhava em mágoa, indignação e fúria.

Segui-o para a sala de jantar e, para meu espanto, a sua mãe tinha mandado por a mesa como se fosse alguem importante la a casa comer. Heath era importante mas eu duvidada que ele fosse ligar à quantidade de talheres, principalmente tendo em conta a simplicidade do jantar. Fiquei a olhar para a mesa e, por momentos, pensei que ela nao tivesse posto lugar para mim já que eu estava ali a mais. Eu sabia que estava e sempre que a sua mãe olhava para mim sentia-o e aparentemente ela não estava agradada pelo estilo de vida que o seu filho levava comigo em Londres. Heath tinha lutado muito depois de acordar do coma mas eu via isso como conquistas e eu tinha la estado para ajudar, as suas expressoes diziam o contrario. Ele nunca devia ter passado por aquilo, ele era superior

- Lembrei-me agora de uma coisa, querido. Talvez isto possa ajudar - Já depois de ter dado o jantar por terminado, a minha mãe ausentou-se da mesa por uns minutos. Fiquei a olhar para America e a sorrir-lhe levemente. Não deu tempo de falarmos antes que a minha mãe regressasse trazendo consigo dois livros grandes, livros esses que se vieram a revelar álbuns de fotografias. Não sabia se estava preparado para aquilo mas ao mesmo tempo tinha uma curiosidade imensa. E se já tenho uma valente dor de cabeça, que seja tudo de uma vez. Ela abriu o álbum e foi-me mostrando há medida que me explicava - Estás a ver aqui foi em Cape Cod. Temos lá uma casa. Desde os teus quinze anos que te escapulias para lá para ir surfar - Eu surfava? - Aqui durante o secundário. Tu e a Catherine sempre juntinhos. Prom King and Queen - E lá estava uma foto embaraçosa a comprovar o mesmo. - Aqui de quando de alistaste. Olha só para ti - Era realmente eu embora com um ar notoriamente mais jovem. Estava ao lado do meu pai e por momentos foi como se fosse teletransportado para aquele dia. Ele estava imensamente orgulhoso de mim e eu contente por seguir as suas pisadas. Se soubesse onde estas me levariam... - E oh, aqui quando fomos à Casa Branca durante a cerimónia que prestou homenagem ao... - A sua felicidade extinguiu-se com essa lembrança que eu não tinha. Pelos vistos o meu pai era um assunto delicado tanto para ela como para mim.

- Obrigado mãe. Não me recordo de muito, mas de certeza que isto vai ajudar. Posso levá-los para o meu quarto? Se não se importar estou bastante cansado e...

- Sim, sim, filho, descansa. Amanhã teremos um longo dia. Chamaram-te à Base. Devem querer resolver esta trapalhada toda e vão fazê-lo, ou eu não me chamo Andrea Prescott - Naquele momento ela parecia mesmo uma mãe-urso e isso fez-me sorrir pois de repente, nem que por uns segundos, era como se eu me pudesse lembrar de tudo o que partilhara com ela, da minha própria mãe. Infelizmente nao lembrava.

Depois do jantar ter terminado, a mãe de Heath decidiu que era boa ideia ir buscar um álbum de fotografias cheio de memórias. Via-se o quanto ela estava a tentar perceber se ele estava a mentir ou então a tentar fazer com que as memórias surgissem, mas as coisas não funcionavam ao passo que ela queria. Sorri e deixei-me ficar no meu lugar, revirando os olhos quando ela falou na altura que ele e Catherine eram um casal, claro que ela teria fotos e iria forçá-las a Heath. Sem dizer nada, levantei-me da mesa e peguei no meu prato, levando-o para a cozinha uma vez que os empregados pareciam-me ignorar. Não sabia muito bem como lidar com a mãe de Heath ou Heath neste momento, talvez o mais correto fosse mesmo ficarmos em quartos separados até se resolver esta situação toda. Não queria dar-lhe motivos para me expulsar, ao menos se ficasse um bocadinho na sombra, ainda conseguia manter um olho em Heath.

America não regressara por isso encaminhei-me para o meu quarto. Estranhamento até queria estar sozinho naquele momento. Sentia-me assoberbado, bastante. Tomei um banho e vesti um pijama que encontrei no armário. Em Londres sempre dormira com uns calções e t-shirt. No entanto, ao ver a cama vazia, não me conseguia conformar. Tive de partir em busca de Mer.

Fechei-me no meu quarto, depois de arrumar o meu prato. Não sabia mais o que fazer naquela casa, que, apesar de ser gigante, me parecia ainda mais pequena que o nosso apartamento em Londres. Tomei um duche rápido e depois de deixar tudo como estava, sentei-me na cama a procurar informações sobre Catherine e Heath, tentando perceber o seu percurso ao longo dos anos, antes dele ter partido em missão - Sim ? - Desliguei o telemóvel quando me bateram a porta, sorrindo levemente quando Heath espreitou - O que estás aqui a fazer ?

Dei-lhe espaço para ele se deitar e apesar da cama ser feita para apenas uma pessoa, cabiamos os dois ali. - Isso deve ser do jet lag - passei a mao pelo seu rosto - sabes que a tua mae nao vai gostar se te apanhar aqui - relembrei-o, rindo-me enquanto se deitava junto a mim - É estranho dormir sem ti, admito. Já não estou habituada

-  Não quero que te desabitues a dormir longe de mim - Já nos tinham chegada aquelas semanas infernais em que tínhamos estado separados em Londres. - Ela não vai descobrir e, mesmo que o faça, qual é o problema? Agora já vi a minha certidão de nascimento. Tenho mais de 21 anos. Sou maior e vacinado - Era nestas alturas que não dava mesmo jeito nenhum não me recordar das regras da casa quando aqui vivia. Abracei America para mais perto do mim. Os nossos corpos estavam colados. 

- O problema é que esta é a casa da tua mãe e ela não quer que tu estejas a partilhar cama comigo - apesar das palavras que dizia, aconcheguei-me a ele - E eu não quero dar-lhe motivos para ela não gostar de mim, já se percebeu que eu sou uma adição inesperada e ela não gostou muito do facto de eu ficar cá senão tinha-me oferecido um quarto lá em cima, perto do teu em vez deste aqui, o mais longe possivel de ti - que eu achava ser para empregados. Mas não comentei isso com Heath - Porque é que não me deixaste ir procurar um hotel ? Eu não me importava de ir, a sério e assim tu ficavas mais a vontade com ela.

Suspirei ao ouvir aquela conversa. Não gostava de sentir algum artrito entre as duas, mesmo que reduzido. - Tenho que te confessar que, embora uma grande parte de mim esteja contente por finalmente obter respostas e reaver um pouco do que era a minha vida antes, há outra aprte que está bastante desconfortável com isto tudo. O Heath que a minha mãe vê não é o mesmo que está aqui contigo. O que eu fui antes já não existe mas para estas pessoas todas é como se eu fosse esse pessoa - Sentia que as defraudava. - Há muitas razões para te querer perto de mim e a mais óbia de todas é que te amo e odeio ficar separado de ti - O que era completamente verdade - Mas também há uma razão egoísta e é a de que não quero ser engolido por este mundo que me parece a fingir. És a única pessoa que sabe quem eu efetivamente sou. És a única pessoa com quem me sinto confortável. - Ali estava a verdade. - Estou mais à votnade sabendo que estás por perto. Ao mesmo tempo vai fazê-los ver que eu sou esta pessoa agora e essa pessoa é alguém comprometido com a britânica mais bonita e compassiva deste mundo.

- Não estás a enganar ninguém por teres voltado um homem diferente do que eras. Depois do que passaste, os meses todos em coma, a fisioterapia, a falta de memória, tudo isso afeta uma pessoa e só o facto de tu ainda não teres corrido daqui a sete pés mostra o quão forte tu és - comecei a mexer no seu cabelo, sorrindo - Tu és extraordinário Heath e não precisas de mim ao pé de ti para que o mundo veja isso. Mas claro, não sou a maior fã de ficar longe de ti mas se isso ajudasse à tua recuperação, eu faria-o sem piscar os olhos - olhei para ele - És um smooth talker. Britânica mais bonita do mundo ? Sabes que não precisas de andar a lançar o charme - ri-me - Eu já estou completamente apaixonada

A sensação era muito desconfortável: era como se fosse um estranho na minha própria casa mas a culpa era minha pois era eu quem não reconhecia a casa. - Tu também és dada a elogios - Disse a rir, depois bocejando. Todo o stress tinha este efeito - Vai correr tudo bem, não? - Perguntei baixinho.

- Sim meu amor, vai correr tudo bem. Vamos fazer os possiveis e os impossiveis para que a tua memória volte e se não voltar para que cries novas memórias - prometi-lhe - Agora descansa, foi um dia longo - dei-lhe um beijo - E vais ter de acordar cedo para ir para o teu quarto antes que alguém acorde

- Graças a ti já tenho ótimas memórias desde que acordei - Disse num tom divetido, apesar de estar sonolento. - hummm - resmunguei quanto ao acordar cedo, já quase a dormir. Dei um último beijo no topo da sua cabeça e adormeci.

Apesar de estar cansada, sentia-me exausta emocionalmente. Tinha sido um dos dias mais longos que eu alguma vez tinha experienciado e sentia que a nossa estadia nos estados unidos ia correr mal, algo no fundo do meu estomago me deixa inquieta. Talvez fossem nervos por a sua mãe não gostar de mim ou de ver a sua ex-noiva, alguém que se parece com uma modelo mas algo se ia passar. Olhei para Heath que tinha adormecido e sorri, ele sempre parecera mais relaxado quando estava a dormir como se nenhum problema do mundo o pudesse consumir. Amanhã seria um novo dia e, se possivel, esperava que corresse melhor do que este. Acabei por adormecer tarde, não dando conta se ele saira cedo do quarto ou não como lhe tinha pedido

O meu corpo estava tão exausto da viagem, de tudo o que descobrira, da mudança de horário. Claro que não acordei a tempo de sair do quarto de hóspedes antes do nascer no sol. Aliás, já devia ser meio da manhã quando acordei e isto porque ouvi um aspirador algures. Levantei-me devagar para não acordar America que dormia profundamente. Ainda me tentei escapulir para o meu quarto mas foi lá que encontrei uma senhora de meia idade de feições asiáticas a fazer limpezas.

- Menino Prescott! É verdade! Oh, isto é mesmo um milagre! - Atirou-se a mim num abraço ao qual não soube bem como reagir. A mulher estava a chorar o que tornava a cena bizarra, mas acabei por colocar os meus braços em torno dela para corresponder ao abraço.

- Ah, está acordado, finalmente. - Desta vez era a minha mãe que surgia do meio do nada - E a cama já feita. Ava, foi você? Não, claro que não. Ele é que não dormiu aí - Deduziu ela sem pedir esclarecimentos. - Ava, por amor de deus, largue o Heath.  - A ordem teve efeito imediato. A expressão da senhora era tão de genuína felicidade ao ponto de me dar uma pena genuína por não a reconhecer.

- Menino Prescott, sou eu, não se lembra? Trabalho aqui desde que nasceu.

- Lamento imenso, não tenho memórias, ainda - Sublinhei e tentei desculpar este facto com um sorriso. 

A senhora não teve tempo de responder pois a minha mãe cortou-lhe a palavra - Já é meio da manhã e as Forças Armadas ligaram para informar que o vêm buscar daqui a uma hora. Por favor vista-se e venha tomar pequeno-almoço com a sua mãe que esteve este tempo todo à sua espera - Despediu-se de mim com um beijo carinhoso na bochecha. Não tive outra hipótese sem ser seguir essa indicaçao. Ao mesmo tempo que of azia - ligeiramente constrangedor mas em a´reas separadas - eu na casa de banho privada, ela no quarto - a senhora, Ava, ia-me pondo a par dos últimos 23 anos da mina vida, aparentemente. Bom, 21. Ninguém sabia onde eu andara nos ultimos dois, desde que desaparecera em combate. 

Acabei por acordar perto da hora de almoço, tinha dormido mais do que pretendia mas como me esquecera de por o despertador, a exaustão tomara conta do meu corpo. Levantei-me a correr e acabei por tomar um duche rápido, vestindo uma roupa simples mas tentei que fosse o mais sofisticada possível, um vestido casual com umas sabrinas. Sai do quarto para reparar que a casa estava vazia

- Bom dia, deve ser a menina que veio a acompanhar o Menino Heath a casa. Avisaram-me que iriamos ter convidados. - disse uma senhora de meia idade, provavelmente a empregada dos Prescotts. - Eu sou a Ava, caso precise de alguma coisa pode pedir.

- Bom dia, pode-me tratar por America - sorri para a senhora - Sim, eu sou a namorada do Heath. Por acaso sabe onde ele está ? - perguntei. - Calculei que ele me viesse acordar quando se levantasse mas se calhar ainda está a dormir

- Não quer comer nada Menina ? O pequeno almoço é a refeição mais importante do dia - ofereceu-se para me fazer algo mas neguei rapidamente, pegando apenas numa maçã.

A parte estranha de tudo isto era que a minha mãe tratasse da ocasião como se de uma normalidade fosse. A mesa estava mais do preparada para o pequeno-almoço, quase aprecendo uma buffet. Enquanto estava sentada tranquilamente na ponta da mesa ia-me falando de pequenas trivialidades de pessoas de quem eu nunca ouvira falar (quer dizer, possivelmente saberia mas não no estado amnésico em que me encontrava). Talvez esta fosse a sua forma de tentar que eu me lembrasse de algo? De quando em quando fazia-me perguntas sobre os últimos dois anos, ao qual eu tinha que informar que na verdade só me lembrava de um, desde que acordara e como America tinha sido fundamental para a minha recuperação. Estava precisamente a contar-lhe sobre isto quando ela apareceu na sala de estar/jantar acompanhada pela tagarela senhora Ava - Mer, bom dia - sorri largamente pois bastava vê-la para o meu dia ficar melhor.   

A senhora continuou a falar enquanto eu a tentava dispensar do modo mais simpático possivel. Não estava habituada a que me tratassem como convidada, até porque quando ia a casa do Mason, as empregadas dele tratavam-me como familia - Bom dia - sorri-lhe - Bom dia Sra. Prescott - acenei com a cabeça e sentei-me no mesmo lugar que tinha sentado ao jantar do dia anterior. A mesa estava cheia de diferentes combinaçoes possiveis para pequenos almoços desde bacon a fruta. A mistura de cheiros estava-me a deixar indisposta - Peço desculpa - disse, levantando-me e sai a correr até à casa de banho do meu quarto tentando conter a sensação de vomito