Boston

Levei uns segundos a reagir ao desaparecimento de America. A preocupação levou-me a desculpar-me às duas senhoras presentes e a seguir atrás dela, mas encontrei a porta fechada. Bati repetidamente – Mer, o que se passa? Estás bem? – Tentei obter resposta – O jet lag é lixado. A minha mãe deixou-me uns comprimidos no quarto. Queres alguns? – Aguardarei que me respondesse ou abrisse a porta.

Queria responder a Heath que estava tudo bem, provavelmente seriam apenas nervos que me tinham deixado naquele estado mas o meu estômago não me deixava responder-lhe até que tivesse completamente vazio. - Está tudo bem - respondi-lhe, sentando-me no chão da casa de banho, encostada a sanita. - Podes voltar para a mesa, eu só preciso de um momento - pedi, respirando pela boca

- Chama de precisares de alguma coisa - Indiquei mas ao mesmo tempo era um pedido. Retornei à sala de jantar onde levei com um par de olhares inquisitórios - Jet lag - Esclareci e desculpei pela ausência de America. Estava quase a terminar o meu pequeno-almoço quando a campainha soou e a Senhora Ava prontamente foi abrir a porta. Bebi rapidamente o meu café, supondo que estaria ali o oficial das Forças Armadas que me levaria até às instalações militares, embora eu não tivesse ideia do que esperar disso. Pela sala adentro apareceu um militar, realmente, inconfundivel pelas vestes oficiais. O que eu não esperava era que se atirasse a mim num abraço. Dado ser um homem grande e corpulento como eu, também loiro coincidentalmente, não tive como indagar qual seria a ligação. Obviamente que me conhecia. 

- Estás vivo, seu filho da mã...- Interrompeu-se ao aperceber-se da presença da minha mãe - Desculpe, Mrs. Prescott - Finalmente terminou aquele abraço e olhou-me de cima abaixo - Caraças, é inacreditável. É um milagre. É bom ter-te de volta, pá. Isto não é o mesmo sem ti. - O meu olhar perplexo finalmente fê-lo entender que não sabia de quem se tratava - Sou eu, o Jordan. Como te foste esquecer do teu melhor amigo? Se não estivesses clinicamente diagnoisticado como amnésico estarias agora a ferir os meus sentimentos - dramatizou. Agora que o dizia, o seu rosto realmente estava presente em algumas das fotografias que vira ontem. Esbocei uma expressão de desculpa.

- É tão bom ver-vos juntos novamente. Tu e o Jordan são inseparáveis desde crianças. Alistaram-se juntos - Esclareceu a minha mãe - Fico contente que sejas tu a levá-lo até ao quartel. De certeza que têm muita covnersa para pôr em dia. É melhor irem. 

A partir daquele momento Jordan não parou de falar, mas infelizmente nada do que ele dizia me fazia sentido. De qualquer dos modos era bom que fosse ele a acompanhar-me na audiência que tinha nas Forças Armadas. Deveria ser ele a pessoa indicada a desmistificar de uma vez por todas o meu passado militar.

- Vou só avisar a America - Esclareci antes de sairmos de casa. Passei pela porta do quarto dela, batendo à porta novamente.

Estar deitada no escuro ajudava bastante, principalmente longe do cheiro do pequeno almoço que tinha sido servido. Já me sentia mais estavel quando ouvi baterem a porta do quarto - Heath está tudo bem - voltei a repetir sem me levantar da cama. A última coisa que eu precisava era que ele se preocupasse porque iria estragar quaisquer planos que tivessem sido feitos e a sua mãe iria ficar ainda mais chateada.

Suspirei quando não me abriu a porta - Mer, vou estar ausente nas próximas horas. Fui convocado ao quartel e aparentemente não posso faltar. Estarei sempre com o telemóvel. - Sentia-me mal por ter de a deixar para trás. Esperava que ela aproveitasse para descansar e recuperar do jet lag. - Vou ter saudades tuas - terminei, antes de me afastar e sair de casa. 

Pelo caminho até ao quartel fui ouvindo tudo o que Jordan me dizia. Ele parecia saber imenso da minha vida e era bom juntar todas essas peças. A dada altura lá me deixou contar o que me tinha acontecido - pelo menos o que eu sabia - mas interrompeu-me assim que percebeu que eu tinha vindo com uma rapariga - Como assim? E a Catherine? Dude, tu saíste dos EUA noivo dela. Iam-se casar assim que regressasses. Já estavam a viver juntos. Que raios, ela já planeava o nome dos vossos filhos - Fiquei silencioso. Não tinha percebido que o nosso nível de compromisso era assim tão elevado. Eu tinha pouco mais de vinte anos na altura - Para ela é como se nunca tivesses partido. Não refez a sua vida - Informou-me e continuou a falar até chegarmos ao quartel. Quanto a mim já tinha instalada uma dor de cabeça. Quanto mais aprendia sobre a minha própria vida, pior era.

- Está bem. Se tem de ser, depois contas-me como correu. Amo-te - disse-lhe e continuei deitada na cama e ouvi-o a afastar-se. Decidi tentar levantar-me uma vez que apenas tinha apenas um mau estar no estômago. Como não sabia se estava alguém em casa e não queria incomodar ninguém, dirigi-me até à cozinha para procurar um pacote de bolachas de água e sal e algum leite para acalmar o estomago. Voltei para o quarto e deitei-me, tentando manter a pouca comida que tinha comido no estomago ate que ele voltasse

Eu não esperava passar o dia no quartel, mas acabara por assim ser. Passara por imensos interrogatórios. Toda a gente, incluindo eu, queriam respostas para o que se passara. Depois começaram a fazer perguntas sobre o meu regresso, até parecia que o tomavam como seguro, o que levou a que me fizessem testes físicos e não sei bem como mas o meu corpo correspondeu. Era como se soubesse exactamente o que era esperado dele. Sentia-me... estranhamente bem com isto. 

Fui enviado mensagens a America durante o dia pondo-a a par do que se passava. Quando finalmente Jordan me ia dar boleia para casa, acabou por levar-me a um bar. - Surpresa - Estava lá uma data de gente que eu obviamente não conhecia. Um banner a dizer "Welcome Back Heath" emoldurava o balcão. O único rosto que reconhecia era o de Catherine que veio na nossa direcção - Espero que não seja cedo de mais. A palavra espalhou-se que voltaste e toda a gente te queria ver. Todos tínhamos saudades tuas - A sua mão estava no meu braço e agradecia a sua orientação. Não é que eu estivesse no mood para beber copos e conhecer aquela gente toda, mas ao mesmo tempo sentia esse dever. Aqueles tinham sido os meus amigos, certo? 
Enviei mensagem a America enviando-lhe a minha localização e perguntado se se queria juntar, já que tão cedo eu não me ia conseguir escapulir. Jordan estava a encarregar-se disso, sempre a fazer refill da minha caneca de cerveja, e Catherine estava sempre por perto a facilitar o contacto com as dezenas de pessoas que ali estavam, apresentando-me e fazendo as ligações com o meu passado.

Durante o dia fui recebendo mensagens de Heath a dar-me pequenos updates do que ia acontecendo. Aparentemente esta viagem era definitiva e nada como ele tinha pensado, mas isso tinha-se tornado óbvio para mim quando a minha presença se transformara num estorvo, era suposto ele vir sozinho e ficar. Comigo aqui eu só dificultava o processo. Passadas algumas horas o meu estômago acalmou-se o suficiente para eu comer umas torradas e um chá mas nada de especial até porque ainda não sabia porque estava tão mal disposta nos últimos dias e se estava a ficar doente, não queria deixar mais ninguém assim. No fim do dia vi a sua mensagem sobre juntar-me a ele num bar porque tinha sido obrigado a ir lá pelos seus colegas e pedia-me para juntar a ele mas não me sentia ainda bem o suficiente. Enviei mensagem a dizer que iria para a próxima e peguei num livro para me distrair mas não conseguia deixar de pensar se Catherine estaria lá com ele e os seus amigos, se as coisas não seriam como eram antes dele ter ficado perdido. Num impulso vesti-me e chamei um uber para me levar até à sua localização, quando lá cheguei espreitei para dentro do bar, vendo-o com Catherine, o braço dela à volta do seu, todos coladinhos. Não sabia porque é que ainda estava impressionada, ela iria aproveitar todos os momentos para estar com ele. Abanei a cabeça e acabei por não entrar, iria voltar para casa como se nem tivesse ido lá

Já era bem de noite quando regressei a casa. Jordan e Catherine tinham-me deixado, embora fosse eu dos três o que menos percentagem de álcool no sangue tinha. Soubera muito bem descontrair e conviver com pessoas que me conheciam. Era a primeira vez na vida - que eu me lembrasse - que isto acontecia e, mesmo não me recordando de nado, pudera perceber que em tempos tivera uma vida social muito animada, para não dizer mais. 

A noite só não ficara completa porque America não estava lá. Aliás, tínhamos praticamente passado o dia sem nos vermos e falando muito pouco, trocando apenas algumas mensagens. Às horas que eram quando cheguei a casa já a minha mãe estava a dormir. Fui direto e sem fazer muito barulho até ao quarto onde America estava. Bati à porta e abri-a ao perceber que não estava trancada - Mer, amor? Estás acordada?

Voltei para a sua casa assim que possível e muito discretamente voltei para o quarto que me tinha sido atribuido, o meu quarto, na ponta oposta ao de Heath. Apaguei as luzes e deitei-me, fingindo que nem tinha saido de casa. Algum tempo depois, talvez um par de horas, ouvi-o bater à porta e entrar mas apenas fingi que estava a dormir. Iria ser sua decisão se ele ficava ou ia, se me acordava ou não.

Depois de um dia inteiro sem ela tinha tantas saudades que não me conseguia manter longe. Não a queria acordar por isso fui até ao meu quarto e troquei de roupa, ficando apenas de boxers e t-shirt de dormir. Depois, silenciosamente, regressei ao seu quarto e com cuidado para não a acordar deitei-me a seu lado, na verdade ficando com a minha barriga contra as suas costas. E assim adormeci. 

Ele voltou a sair, deixando-me sozinha. Senti uma lagrima cair mas rapidamente a limpei, fechando os olhos e tentando dormir. Amanhã era mais um dia e eu iria ter de ser forte se ia ficar ali com ele e apoiá-lo como prometera. Poucos minutos depois ouvi a porta abrir e ele a deitar-se na cama comigo, mesmo de costas para ele, não podia deixar de sorrir porque ele tinha escolhido dormir nesta cama pequena e pouco confortavel à do seu quarto que era mais adequada a ele. Aconcheguei-me a ele e fechei os olhos, acabando entao por adormecer mais aliviada

Acordar bem significava acordar e ter America nos braços. Não havia no mundo uma sensação igual. Sorri e inclinei-me para pousar um beijo na sua nuca. Não a queria acordar por isso saí devagarinho da cama. Estava estranhamente com energia por isso depois de passar pelo meu quarto e vestir roupa de treino, fui dar uma volta a correr. Embora desconhecesse o sitio, parte de mim sabia por onde estava a ir e ao fim de uma hora regressei a casa, sendo recebido pela minha mãe que me puxou logo para o jardim e me ofereceu um café. Estava toda contente depois de os seus amigos militares lhe terem contado da minha boa prestação - Está-lhe no sangue, meu querido. Apesar de tudo o que se passou, a sua carreira pode voltar ao que era. Ainda tem muito para alcançar, igual ao seu pai - Disse ela esperançosamente. Já eu ainda não tinha ponderado sobre nada daquilo. Se havia algo que esta viagem aos EUA trouxera fora uma incerteza muito grande sobre o que deveria ser o meu futuro. 

Deixei-a para ir ver de America. Apesar de ainda ser cedo queria surpreendê-la ao acordar, levando comigo um tabuleiro com pequeno-almoço que Ava deixara preparado na cozinha.

Como sempre acontecia, quando dormia com ele, dormia bem mas nao gostava quando acordava e nao sabia dele. Tinha dormido mais que o habitual, provavelmente devido ao jet lag mas ele tinha acordado cedo, o que era costume mas nao esperava que o fizesse depois de ter saido. Para passar o tempo fui tomar um banho quente e quando estava a acabar de me arranjar, ele entrou no quarto com um tabuleiro - Heath nao precisavas - sorri-lhe - a tua mae nao vai gostar que venhas sujar o quarto - comentei - eu fico bem com um cafe. o meu estomago ainda esta um pouco sensivel

Afinal já não fui a tempo de acordar, mas ainda ia a tempo de a surpreender com o pequeno-almoço. - Amor, não é como se fosses sujar alguma coisa - Pousei o tabuleiro em cima da cama e fui até ela, roubando-lhe um beijo de "bons dias" como estava a desejar há horas. - Desculpa, ainda estou todo suado da corrida. Já tu estás um mimo - Cheirava tão bem. - Tens a certeza que não queres tomar nada? Há comprimidos que podem ajudar. Ou... - e fui buscar o copo ao tabuleiro - talvez um sumo de laranja natural ajude. É muito estranho estar numa casa onde tudo aparece feito - Comentei. Não era de todo a nossa realidade em Londres onde às vezes nem comia o pequeno-almoço por preguiça de ter que arrumar e limpar tudo a seguir. - Mas tens de comer. Temos um dia em cheio pela frente - Estava ansioso por lhe contar os planos.

- Eu gosto quando estas suado, cheiras a homem - ri-me, empurrando-o para longe de mim - Não, não e preciso comprimido nenhum, provavelmente so tenho de comer comidas mais leves durante alguns dias. Espero que nao esteja doente porque nao quero passar-te nada - sorri e aceitei o copo com o sumo. A ele apareciam as coisas feitas porque ele era o dono da casa, já eu nao podia dizer o mesmo, não que tivesse pedido alguma coisa - Um dia cheio Heath ? Eu acho que a tua mae deve ter planos para voces, eu nao quero atrapalhar.

- Demasiado tarde para isso. Além disso não quero estar longe de ti nem ter que prescindir dos teus beijos - Comentei divertido mas depois fiz uma expressão séria - Se continuares assim devemos ir ao médico. Não te quero a sentires-te mal - De todo. - America, desde quando é que atrapalhas? Viemos juntos, estamos juntos.  - Mas já tinha informado a minha mãe dos planos. Ela forçara-me, contudo, a jurar que estaria em casa para um jantar de boas vindas. Até lá o dia era para os nossos planos - Logo jantamos todos, mas até lá sou só eu e tu, amor. Pensei que podíamos ir até ao centro. Quero conhecer a cidade onde cresci. Já estive a ver uns mapas turisticos da cidade. Vai ser giro.

- Achas mesmo que eu vou ao medico nos estados unidos para ter de pagar centenas de dolares para me dizerem que e uma intoxicaçao ou entao que preciso de fazer o que estou a fazer ? comidas leves, nao nem pensar. - nao ia por os pes num hospital enquanto tivesse neste pais, eu sabia o que fazia - Jantar com a tua familia ? Nao podemos chegar muito tarde entao porque vou ter de estar apresentavel - avisei-o - Claro, se é isso que queres fazer vamos ver a cidade. Também quero saber onde cresceste - sorri - Mas vai tomar banho primeiro

- Não, segundo os padroes da tua mae nao estou e por isso, tenho de ter atenção ao que visto e como estou. Já viste como a tua mae e mesmo a Catherine se vestem ? - perguntei, stressada - Vá, vai la. Despacha-te que e para irmos passear como tanto queres - sorri e deixei que ele fosse tomar banho enquanto eu bebia o sumo e comia um pouco de pao simples

Como sempre, despachei-me muito rápido. Ia buscar uma troca de roupa à mochila que trouxera do Reino Unido, mas pensei duas vezes e fui ao invés espreitar o que estava dentro do armário. O eu mais jovem sem dúvida andava um pouco mais aperaltado. Era quase tudo roupa de marca e eu só o sabia por ter visto estas marcas na revista do avião. Ao invés da minha normal t-shirt branca e calças de ganga desbotadas, tirei antes umas calças beges e uma camisa branca. Será que Mer ia gostar? - Estou pronto.  - Apareci no seu quarto uma vez mais.

Quando ele entrou no quarto, parecia outra pessoa completamente diferente com aquelas roupas de marca. Ainda era Heath mas este estava de volta a casa, a sua mae ia gostar que ele vestisse a roupa antiga - woow - respondi-lhe quando o vi com aquela roupa - ate pareces um homem de luxo - sorri  - estas lindo amor - beijei-o e olhei para a minha roupa basica que teria de servir para o efeito - de certeza que vou bem assim ?